20.1.05

the last post

Um bom coração é o que entende a alegria e a tristeza dos outros. É o que entende, por dentro, e tem coragem para lutar e sofrer pelo bem do outro. O bom coração vê o que é bom para o outro e faz tudo para o conseguir. O bom coração vê, entende, promove. E fica a bater sozinho, se a liberdade do outro o pedir.

Vasco Pinto Magalhães sj


(obrigada manel)

19.1.05

Lau

Reconheço-te na fotografia da salinha da entrada, no sorriso rasgado a preto e branco das tranças que usavas. Sempre foi a imagem mais bonita que tive de ti e onde fixava os olhos quando ia com os avós à Avenida. Recordo o cheiro daquela casa, os recantos imensos, as fotografias a crescerem à medida que os casamentos aumentavam e nasciam mais sobrinhos. Recordo a solidão mariana do abdicar e a tua solidão brilhante de fada perdida, sem terra nem rumo.
Hoje, agradeço-te o carinho com que sempre me trataste e a doçura que a insanidade nunca apagou.
Sinto que finalmente vais ter oportunidade de ser feliz.

18.1.05

Mnemosine ou o trevo de quatro folhas

Um medo bom a percorrer-me todo o corpo, chuva miudinha lá fora, final de tarde de Inverno e uma paisagem urbana familiar.
Na cassete gravada há pouco: sons de Adriana.
No ar que se respira, descoberta.
Momentos que são parte de mim, indeléveis, intocáveis, a minha história.
Momentos que procuro, momentos que construo, momentos em que tropeço sempre que deixo o fogo da vida arder cá dentro com mais força, em que me sinto simplesmente feliz.

paliativos

Há dias que deviam levar um empurrãozinho, ou chamar a Mary Poppins e fazer uma adaptação pessoal...
[Spoken]
In ev'ry job that must be done
There is an element of fun
You find the fun and snap!
The job's a game
[Sung]
And ev'ry task you undertake
Becomes a piece of cake
A lark!
A spree!
It's very clear to see that
A spoonful of sugar helps the day go down
The day go down-wown
The day go down
Just a spoonful of sugar helps the day go down
In a most delightful way
...

17.1.05

graças à civilização

«De resto, que importa bendizer ou maldizer da vida? Afortunada ou dolorosa, fecunda ou vã, ela tem de ser vivida. Loucos aqueles que, para a atravessar, se embrulham desde logo em pesados véus de tristeza e desilusão, de sorte que na sua estrada tudo lhes seja negrume, não só as léguas realmente escuras, mas mesmo aquelas em que cintila um sol amável.»

Eça de Queirós

Não digo que Tormes seja o meu paraíso na terra, nem Jacinto o meu herói, mas que o Sr. José Maria não perde a razão, lá isso...

arco-íris

Porque a vida não é só a preto e branco,
in palombella rossa, o mote para esta semana:

"Lavar o olhar, muitas vezes não chega. Temo-lo toldado por preconceitos e por muita poeira acumulada. Vemos cada vez menos e sem variações de cores, de formas e de sentidos. Neste tempo de abatimento e de depressão colectiva, é bom termos os olhos dos outros para nos ajudar a ver de outro modo e a ver outras coisas. Com coragem, peçamos emprestado o olhar de quem confia, para reforçar em nós a confiança."

14.1.05

rearranjo vocabular ao cair da noite

...bolachinhas de laranja, manta, calor, casa, telefonema, café, conversa, cara lavada, sorriso, palavras, livro, carinho, pai, noite, pantufas, serena, cansaço, amor, sexta-feira, sonhos, futuro...

desarranjo vocabular

...amor, fio da navalha, raiva, medo, dor, pontinha dos pés, sussurrado, honesto, mentiroso, cobarde, honesto, cobarde, distância, ausência, vazio, medo, solidão, passos em volta, apoio, pilar, força, vida, recomeço, reencontro, amor, frágil, dor, cansaço, coragem, medo, tristeza, dúvida, futuro...

13.1.05

If (?)

If you can keep your head when all about you
Are losing theirs and blaming it on you;
If you can trust yourself when all men doubt you,
But make allowance for their doubting too;
If you can wait and not be tired by waiting,
Or, being lied about, don't deal in lies,
Or, being hated, don't give way to hating,
And yet don't look too good, nor talk too wise;

If you can dream - and not make dreams your master;
If you can think - and not make thoughts your aim;
If you can meet with triumph and disaster
And treat those two imposters just the same;
If you can bear to hear the truth you've spoken
Twisted by knaves to make a trap for fools,
Or watch the things you gave your life to broken,
And stoop and build 'em up with wornout tools;

If you can make one heap of all your winnings
And risk it on one turn of pitch-and-toss,
And lose, and start again at your beginnings
And never breath a word about your loss;
If you can force your heart and nerve and sinew
To serve your turn long after they are gone,
And so hold on when there is nothing in you
Except the Will which says to them: "Hold on";

If you can talk with crowds and keep your virtue,
Or walk with kings - nor lose the common touch;
If neither foes nor loving friends can hurt you;
If all men count with you, but none too much;
If you can fill the unforgiving minute
With sixty seconds' worth of distance run -
Yours is the Earth and everything that's in it,
And - which is more - you'll be a Man my son!

Rudyard Kipling

Hoje acordei assim...

12.1.05

Quando

Quando eu for grande vou ter asas.
Vou fazer coisas de que gosto, vou viajar pelo mundo fora, vou sentir-me eternamente enamorada, vou sonhar todos os dias coisas impossíveis que acabarei por concretizar.
Quando eu for assim muito crescida, vou deixar o mau feitio do lado esquerdo da cama, todos os dias ao acordar. Vou arrumar o comodismo na caixa de sapatos forrada a papel xadrez. Deito para o cesto dos papéis a eterna insegurança e ponho o medo a arejar no estendal grande da varanda, com, pelo menos, três molas da roupa a segurar.
Quando eu for grande e for de noite e eu não me esquecer de ir lá fora espreitar as estrelas, tenho a certeza de que vou poder abrir a janela e voar.

11.1.05

Zeca Afonso

As tuas músicas acompanharam toda a minha adolescência. Ouvidas vezes sem fim, na ânsia de saber as letras mais com a alma do que com a memória, numa tentativa de perceber o outro lado da moeda, a liberdade merecida que a descolonização familiar nem sempre deixava ver. Descobri nos LP's da minha mãe (comprados às escondidas na Lisboa profunda do início dos anos 70) uma companheira das tuas melodias, das palavras tuas. Ando há dias com este Menino do Bairro Negro na cabeça. Porque espero com carinho o sol nascente de uma bebé quase a chegar, porque continuo a ver meninos com olhos de desamor, canto o pedacinho que sei... baixinho, muito baixinho...

Olha o sol que vai nascendo,
Anda ver o mar,
Os meninos vão correndo
Ver o sol chegar


Menino sem condição
Irmão de todos os nus
Tira os olhos do chão,
Vem ver a luz

Menino do mal trajar
Um novo dia lá vem
Só quem souber cantar
Virá também

Negro,
Bairro negro,
Bairro negro
Onde não há pão
Não há sossego

Menino pobre teu lar
Queira ou não queira o papão
Há-de um dia cantar
Esta canção

Se até dá gosto cantar
Se toda a terra sorri
Quem te não há-de amar
Menino a ti?

Se não é fúria a razão
Se toda a gente quiser
Um dia hás-de aprender
Haja o que houver

10.1.05

Cluedo


Não resisto...
Ainda só vou no dia 2 desta casa e já estou a fervilhar de ideias: que sítio melhor para um Cluedo em tamanho real, assim ao jeito das peças interactivas dos Fatias de Cá?
(Palpite do dia: O Dr. Brandão, com um candelabro, na biblioteca! Acertei?)

A Casa

Atrás de mim, uma janela com portadas de madeira. Em frente, uma porta quase tão alta como o pé direito desta sala, com puxadores de porcelana, bandeira, e trincos grossos de metal bem usado. As paredes foram pintadas há pouco tempo de amarelo-ocre, e o tecto, lá em cima-cima-cima, é branco claridade. Subi vários lanços de escada para cá chegar. Do jardim para a entrada, depois de ter estacionado o carro perto da cameleira pequenina, meia dúzia de degraus de pedra, arredondados e imponentes, como convém a uma entrada principal. Já cá dentro, duas voltas pela escadaria de madeira, até pisar este soalho que já não brilha, mas que me enternece de histórias. Perco-me todos os dias nestes corredores (ainda!). Descubro recantos novos e o calor enregelado que só as casas antigas conseguem manter. É aqui que vou passar grande parte dos meus dias, nesta estranha mistura de trabalhar num local que cheira a casa da avó.

6.1.05

Vontade

Queria fechar os olhos e não estar aqui sentada. Poder ouvir este concerto a flutuar por aí. Cortar as amarras, matar os medos, fugir de tudo o que me angustia e deixar-me levar pela música, pela companhia de sempre, por esta loucura de sentidos que me transforma com incrível facilidade, que me diz, todos os dias, o quão frágil não sei que sou…

5.1.05

Espera

Horas, horas sem fim,
graves, profundas,
esperarei por ti
até que todas as coisas sejam mudas.

Até que uma pedra irrompa
e floresça.
Até que um passáro me saia da garganta
e no silêncio desapareça.

Eugénio de Andrade

A espera continua, para mim, a ser um mistério.
A espera quotidiana que parece nada acrescentar, a espera das horas que não passam, a espera passiva que as coisas se resolvam e ao mesmo tempo a espera de alguém que chega, a espera de um pôr-do-sol que comove, a espera com confiança, aquela que o dicionário baptizou de esperança.
Esperar o inesperado ou ‘inesperar-me’ de espera? Continuo confusa…