14.2.05

a duas vozes


"Prefiro esquecer, esquecer-te até se preciso for, para viver como tu vivias, apreciando cada momento - sobretudo os dolorosos, pela lucidez que trazem como bónus - desta tão precária maravilha a que chamamos existência. Tantas vezes te aconselhei as virtudes do silêncio. Queria calar-te para te proteger, sim. Há poucas pessoas apetrechadas para a verdade - mesmo nós, quantas vezes não fechámos à chave umas verdadezitas mais cortantes para não nos magoarmos? Creio que me fazes - schiuuu! - assim, com uma vaga de embalo, sempre que a voz da minha consciência (seja lá isso o que for) sobe o tom para me acusar pelo que não te dei. Creio sem crer, como um condenado. Afinal de contas, não tenho nada a perder. Mesmo que os anjos não existam, as asas com que te vejo, sentada na beira da minha cama, do cume enlouquecido da minha insónia, ficam-te melhor do que todas as toilettes. Esforço a imaginação, estendo-a até aos teus dedos, mas não consigo mais do que um ligeiro roçagar de asas. São lençóis que agito, bem sei - mas não me concederás a graça de transformar a fímbria do meu lençol na ponta dos teus dedos?"

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