28.12.04

HUMANOS



Sempre tive um fascínio pela figura de António Variações. A provocação genuína da imagem, da postura, de uma música inconfundível.
A surpresa deste Natal foi este disco de inéditos em que já me viciei: Humanos

Quero é viver

Vou viver
Até quando eu não sei
Que me importa o que serei
Quero é viver

Amanhã
Espero sempre um amanhã
E acredito que será
Mais um prazer

E a vida
É sempre uma curiosidade
Que me desperta com a idade
Interessa-me o que está pra vir

E a vida
Em mim é sempre uma certeza
Que nasce da minha riqueza
Do meu prazer em descobrir
Encontrar, renovar, vou fugir ao repetir

19.12.04

Percepções de mim

Tenho andado inquieta com uma característica muito minha, que sempre considerei mais feitio do que defeito, e que ultimamente me faz parar e pensar mais do que é costume.
É um misto de discrição e delicadeza-questional.
Se não te contam, não perguntes.
Se não partilham, não insistas.
Se a conversa te está a passar ao lado, não faz mal, é assim que as coisas são, e provavelmente não será para tu entenderes.
Toda a minha vida tenho agido assim. Por delicadeza, por não me querer intrometer, por não querer mostrar curiosidade metediça, por não querer incomodar, deixo passar momentos, deixo cair pessoas que amo com uma terrível sensação de coração apertado e dever cumprido. (porque todos sabem, obviamente, o quanto gosto deles e que estou sempre deste lado...)
Agora acordo tantas mais vezes a sentir-me perdida nesta minha postura correcta... e vazia.

17.12.04

Horas extraordinárias

Foi a saudade do teu braço
e o olhar que já da tua luz me dói
trabalhei sem dar pelo cansaço
horas extraordinárias,
foi um dia que passou num furacão
um furacão que se amainou, só
quando aparte o amor eu me vi só
atirando a moeda ao ar
diz-me que cara ou coroa eu vou ganhar
diz-me quanto eu fiz bem em me apostar
e que bem fiz em ter por necessárias
as horas extraordinárias

E assim que volto ao meu lugar
reencontro com dor e prazer
o coração que fiz falar
à máquina de escrever a ver
ela a dar corda à máquina de amar
e um coração a se amainar só
quando aparte o amor eu me vi só
atirando a moeda ao ar
diz-me que cara ou coroa eu vou ganhar
diz-me quanto eu fiz bem em me apostar
e que bem fiz em ter por necessárias
as horas extraordinárias

Sérgio Godinho

As sonoridades foram as do Irmão do Meio. As fantásticas vocalizações, da Sara Corte Real. As músicas, mais interventivas que românticas, únicas como sempre.
E assim foi a noite passada.

16.12.04

Sentir a dor dos pobres

«Pobres, sempre os tereis convosco» (Jo 12, 8). Quem disse isto, há 2000 anos atrás, sabia do que falava. Jesus Cristo conhecia demasiado bem o coração humano para arriscar a frase. No entanto, Jesus não disse que a pobreza era uma inevitabilidade. Bastaria que fosse diferente o tal coração humano.
Hoje, mais do que nunca, a pobreza não tem razão de ser. Nunca o mundo esteve mais capaz de combater a que existe, nem mais apto a prevenir a que há-de vir. Por isso, só a distracção comodista evita que nos interroguemos com João Paulo II: «Como é possível que ainda haja, no nosso tempo, quem morra de fome, quem esteja condenado ao analfabetismo, quem viva privado dos cuidados médicos mais elementares, quem não tenha uma casa onde abrigar-se?» (NMI 50). Apesar da riqueza disponível, talvez estejamos no tempo da História que mais pobres gera. E todos sabemos como se fabrica a pobreza.
Coimbra. Esta cidade que se quer culta, esta cidade de classe média, farta e segura, razões tem, de sobra, para saber eliminar a pobreza. Coimbra, doa a quem doer, não só tem muitos pobres, como os esconde, decididamente.
Fazendo justiça a todas aquelas e a todos aqueles que, na Igreja e fora dela, dedicam as suas vidas ao serviço dos pobres, não podemos deixar de nos interrogar. 40.000 crianças vivem, em Portugal, na mais extrema das pobrezas. Quantas dessas crianças moram em Coimbra? A resposta é: não sabemos. A cidade tem várias dezenas de sem-abrigo. Quantos são? Não sabemos. Não sabem os técnicos que com eles trabalham. Não há estudos globais, nem estatísticas comparadas, nem trabalho coordenado. Há tentativas, pequenos passos e muita vontade de acertar por parte dos poucos samaritanos que se dispõem a parar nas margens da cidade. O certo é que Coimbra vive como se os seus pobres não existissem. Quando não os pode encurralar em guettos físicos (o Ingote, a Rosa) empurra-os para guettos simbólicos, escondendo-os e escondendo-se deles, fingindo que os vapores do perfume, a roupa de marca e os sorrisos de plástico para a imprensa cor-de-rosa hão-de apagar o cheiro, a imagem e a dor dos imigrantes sem papéis, dos velhos sem dinheiro, sem companhia e sem saúde, dos ciganos olhados de soslaio, ou dos sem-abrigo-e-sem-horizontes.
E os cristãos de Coimbra sabem? Não, não sabemos. Descansamos as nossas vagas inquietações nos ombros dos Vicentinos, dos Grupos Sócio-Caritativos, das Criaditas dos Pobres. Os miseráveis mais problemáticos entregamo-los à Caritas, à Abraço, à AMI, etc, etc. Os mais perigosos estão bem entregues aos técnicos e às polícias (porque, para o nosso olhar normal, ser toxicodependente, prostituta ou portador de SIDA não é fruto da pobreza, é CULPA!).
Deste modo descansa o Povo de Deus. Assim dorme em paz, como se não fosse «chegada a hora de despertar porque a salvação está mais próxima» (Rom 13, 11). Assim celebra, pacificado, a Eucaristia Dominical. Assim atravessa o Advento, ignorando o apelo à conversão que João Baptista continua a clamar no deserto: «Preparai os caminhos do Senhor» (Lc 3, 4). Assim se comove com o Natal do Menino Deus, que veio para que «todos tivessem a vida e a tivessem em abundância» (Jo 10, 10). Assim se aproxima da Páscoa. Assim percorre o ano todo, vibrando, aqui e além, com uma desgraça ou outra, acontecida longe, no mundo.
É porque somos uma Comunidade Cristã que nos dói mais esta realidade. Porque fazemos parte desta doce inoperância, desta confortável demissão. Não desconhecemos, contudo, os limites do problema. Sabemos que a resolução do mesmo não se confina ao adro das Igrejas, nem ao íntimo das consciências.
Com o mesmo vigor denunciamos a sociedade civil, aquela que se baba nas páginas de jet-set das nossas revistas e jornais, aquela outra que "apenas" cuida de si e dos seus, nunca se dignando baixar os olhos para a pobreza que resta. Esta sociedade civil confortada e próspera, em Coimbra e no resto do país, é o terreno em que germina o pecado da recusa em aceitar todo o outro como pessoa e da negação do bem comum, materializado na fuga aos impostos, na exploração do trabalho precário ou na mercantilização da natureza e dos seus dons.
Todos nós, uns e outros, crentes ou não, somos responsáveis pelas lágrimas dos pobres. Nas nossas mãos está o poder de mudar o rumo das coisas, o poder de corrigir as iniquidades do sistema económico que consentimos, as injustiças da Sociedade que construímos. Só que nada faremos enquanto andarmos distraídos com orações egoístas, com Natais comerciais, com cristianismos teóricos, com evangelhos de papel.
O contributo desta Comunidade, aflita com as suas próprias contradições, vai no sentido de ajudar a reflectir o sentido profundo do Natal: a partilha de humanidade que Deus quis fazer, tornando-se pessoa, pobre entre os pobres.

Texto de Natal da Comunidade de Acolhimento João XXIII

15.12.04

Estou em obras

ou... porque tenho eu um blog?
Agradecem-se comentários, sugestões e divagações metafísicas.
Muito obrigada.

10.12.04

(ir)responsabilidade social

Não gosto de representar a realidade. Não gosto de fingir uma postura que não a minha, um sorriso de ocasião, um ar de profissional oco. Não gosto de ter que fugir com os olhos para o céu, não gosto de não assumir as minhas responsabilidades, mas há muitas coisas responsáveis que não gosto de fazer. Não me sinto bem, não me fazem feliz, não me ajudam a ver o que de melhor posso dar a este mundo. Não gosto, não gosto, não gosto.

9.12.04

Hoje, Mozart toca baixinho

Faz hoje nove anos que partiste. De repente, sem avisar, sem despedidas, imprevisível como foste toda a vida.
Não me lembro de ter sentido outra dor tão funda. Passei da incredulidade à tristeza muita, senti-me abandonada, perdida, sem o porto seguro do teu cabelo cor de prata e do riso que se ouvia no fim da rua.
Tenho saudades e sei que continuas perto, a ensinar-me desta vez o verdadeiro significado da vida eterna.
Obrigada avô.

8.12.04

Saboreando palavras I

E quanto mais te perco mais te encontro
morrendo e renascendo e sempre pronto
para em ti me encontrar e me perder

Manuel Alegre

7.12.04

Enfim sós

Não vou ter tempo, eu sei que não vou ter tempo. São sete e meia e tenho que me despachar. Depressa. Se eu lhe desse mais um retoque ficava realmente perfeito... mas não vou ter tempo e é-me impossível acabar assim...

A luz começa a ser intensa, demasiado intensa para os meus olhos. A claridade devia manter sempre o mesmo tom áureo, que não fere a vista e consola o olhar. Não era preciso terem-lhe acrescentado tonalidades. Se o amarelo lhe assentava tão bem, porquê ir à procura de laranjas, vermelhos e ocres? Quem deseja a cada dia mais do que a satisfação quotidiana devia ser obrigado a praticar o estoicismo e a sábia postura da aurea mediocritas. Isso sim era um modo de vida! Mas de que me vale divagar, continuo a sentir-me incomodado com esta luz forte e a sabedoria dos clássicos foi há muito esquecida.

Custa-me tanto ter que pedir mais uma vez um adiamento! Prazos são prazos dirá Mme Claire, e eu, no fundo longínquo da linha telefónica, limitar-me-ei a sussurrar um... desculpe Mme... não torna a acontecer, mas a Mme compreende... parece que falta ainda qualquer coisa, não está bem como eu quero...

Está frio aqui dentro. Se aquela réstia de luz estivesse mais perto ainda me conseguiria aquecer, mas não há maneira. Desde que me lembro que sinto frio, um frio que tem cheiro a azul e gela. Não consigo perceber porque não há roupa suficientemente grossa para me aquecer. Meias de lã, camisa de flanela, camisola sobre camisola, galochas, casaco impermeável... nada, nada é suficiente.

Preciso de me concentrar. Talvez seja melhor folhear uns livros ou falar com mestre Pierre antes de deitar mãos à obra. Pode ser que descubra a falha. Será que estou a romancear uma imagem de homo habilis? Não acredito em heróis, mas sinto que este homem tem algo para dizer ao mundo... e eu, eu permaneço surda.

Estou só, como gosto de estar. Ela não insistiu na companhia, valha-nos isso! Sinto-me bem na solidão de ser apenas eu, um eu com frio, é certo, mas inteiro, de pé, olhar perdido na postura viril do homem que represento.

Prefiro deixar de lado a figura central e dedicar-me ao cenário. Sim, é isso: dedicar-me ao cenário é a solução. Não gosto de sentir este vazio e um cenário real rouba a solidão de uma imagem... humm...

É triste quando não nos escutam. Sobretudo porque todos gritam incessantemente certezas e dúvidas, medos, mágoas, mentiras, misérias mil que exigem ser escutadas. Hoje sinto-me mal por ser a primeira vez que grito. Talvez seja a estranheza do gesto ou quem sabe a ausência de uma resposta a um grito tão simples como: Tenho frio!

O mundo é teu nesse barco. Esse olhar que me lanças... se não fosse do cansaço que sinto diria que parece uma súplica... queres dizer-me alguma coisa Capitão? Sabes, gosto de te ver. Gosto da humilde altivez do teu gesto Alphonse... Capitão Alphonse soa bem não achas?

Talvez aquecesse se fumasse um pouco. Se o calor se negar ao corpo, sempre posso iludir-me com o fumo. Mil raios! Tenho os fósforos ensopados. Deve ter sido do temporal desta noite. Chuva não S. Pedro, basta o frio, que a chuva dá-nos cabo do serviço. Cala-te velho tonto... de que vale invocar santos ou deuses? Não são eles que traçam o nosso destino, esse, está noutras mãos...

O mar está-te dentro dos olhos, tens a faina no calejado das mãos e a luz tisnou-te a pele do rosto e desapareceu. Vês Capitão? Vês como vale a pena sermos exigentes?...
Amanhã bem cedo telefono a Mme Claire. Invento uma qualquer desculpa, não me importa. Nem sequer ouvirei os seus gritos, dir-lhe-ei apenas: falhei. É mentira e tu sabe-lo Capitão Alphonse. Hoje, aqui, contigo, acredito naquele verso que diz que «não há passos divergentes para quem se quer encontrar». A alegria de te perceber vivo naquilo que imagino é bem maior do que uma simples percepção da realidade, ultrapassa todas as obrigações. Além disso Alphonse, amanhã bem cedo, terei tempo de te vir acender o cachimbo...

6.12.04

Sweet dreams

Estou quase tão funguenta como a Amélia nas histórias de amor, e só tenho os olhos suficientemente abertos para deitar um olhar guloso aos cobertores da minha cama.
Viva as constipações! Viva o sol de Inverno! Viva a família Von Trapp e os sonhos bons...

When the dog bites,
When the bee stings,
When I'm feeling sad,
I simply remember my favorite things,
And then I don't feel, so bad.

Amélia, a fada cor-de-rosa

Amélia, a fada cor-de-rosa, adorava voar a grandes velocidades!
Montava apressada na sua vassoura, esquecia-se dos travões e voava veloz sobre os telhados das cidades.
Amélia gostava das luzes que via e espreitava às janelas sempre que podia.
Às vezes tinha medo que a vissem. Afinal era uma fada, daquelas que espalham grãos de lua pelas almofadas, e enchem todos os sonhos de magia.
Mas Amélia não era uma fada vulgar! Tinha um sapo de estimação e uma varinha de encantar, gostava de morcegos e de histórias de arrepiar.
Comia pipocas quando ia ao cinema e fungava tão alto nas histórias de amor, que as pessoas sentadas nas outras cadeiras julgavam que o filme era de terror!

Amélia... são horas de acordar...
Os sonhos voltam logo à noitinha, à hora em que as estrelas começam a dançar ao som da lua que canta sozinha.

5.12.04

Coisas Pequenas

'Coisas pequenas são
coisas pequenas
são tudo o que eu te quero dar
e estas palavras são
coisas pequenas
que dizem que eu te quero amar.
Amar, amar, amar
só vale a pena
se tu quiseres confirmar
que um grande amor não é
coisa pequena
que nada é maior que amar.
E a hora que te espreita
é só tua.
Decerto, não será
só a que resta;
a hora que esperei a vida toda,
é esta.
E a hora que te espreita
é derradeira.
Decerto já bateu
à tua porta.
A hora
que esperaste a vida inteira,
é agora.'

Madredeus

Nos últimos meses tenho andado mais atenta às coisas pequenas. Uma palavra de estímulo, um olhar cúmplice, uma mensagem a lembrar a nossa presença na vida dos outros, um rebuçado na secretária quando chego à editora depois do almoço, um bebé que cresce e nos enche já o coração, uma música, uma hora de sol num dia chuvoso, uma conversa, uma carta, um abraço apertado...
Tem piada que nos grandes catálogos de valor da humanidade, nada disto estará taxinomizado como coisas preciosas. Não se quantificam, não dão estatuto, não acrescentam nada à conta bancária, não asseguram um presente luxuoso nem um futuro brilhante. São, simplesmente, as coisas pequenas mais importantes da vida: AMOR.

2.12.04

U.K.

Cheguei da minha ilha com um motivo de comemoração: a queda do governo.
Cheguei da minha ilha triste por perceber que tanta gente nova e brilhante e cheia de vontade de trabalhar não pode regressar porque não tem a menor perspectiva de futuro.
Cheguei da minha ilha com um sorriso cheio de iluminações de Natal, cheirinho bom a biscoitos de gengibre, chocolate quente e pessoas que andam com cestos de compras atulhados... nas livrarias.
Cheguei da minha ilha com vontade de regressar e fazer alguma coisa de útil, nem que seja ser assim muito feliz.

25.11.04

Quentes e boas

O Sr. José tem olhos azuis escuros muito pequeninos.
Boné, cara miúda, e um sorriso que enche a alma.
Acho que não me lembro do Outono em Coimbra sem a nuvem de fumo do carrinho de castanhas do Sr. José a pairar ali ao pé do Gil Vicente. (aliás, acho que é mesmo ele que traz o Outono, as folhas amarelas boas de pisar e os fins-de-tarde melancólicos...)
Passei hoje por ele, e fiquei triste porque estamos quase em Dezembro e eu ainda não o visitei este ano. Não compro castanhas assadas a mais ninguém. Não por capricho ou mania, mas porque vos garanto que ninguém me diz um 'Aqui tem menina' com maior candura.

Thank you for the days

Ontem adormeci numa paz imensa. Profunda, racional, alicerçada num serão de conversa e partilha, cada vez mais essencial para o meu equilíbrio.
Hoje acordei num misto de gratidão e orgulho, sorridente ao rever cada cara, cada gesto, cada desabafo concreto de vidas que são parte da minha.
Obrigada pelos vossos passos em volta.

24.11.04

Abraços de olhar

Esse seu olhar
Quando encontra o meu
Fala de umas coisas
Que eu nem posso acreditar
Doce é sonhar é pensar que você
Gosta de mim
Como eu de você

Tom Jobim

Daqui a 59 horas dou-te o abraço que ando a fazer crescer há quase dois meses...

22.11.04

Saudades do futuro

Da esplanada em vão me projecto para lá donde me sinto. Tento ver sem me ver, na esperança súbita de saber em que movimentos me finto. Naquele entrecruzar constante, neste chocar sem chocar, onde o espaço é quase tudo e o tempo é quase nada, me tento em vão ver passar.
Uns vão rindo outros sorrindo, outros vão de rosto mudo, há quem simplesmente vá numa fé que o vento varra tudo...


Trovante

E há quem simplesmente tenha este dom de pôr em palavras o que eu não consigo dizer, o que me vai consumindo de incertezas quando me sinto pouco mais que espectadora de vidas.

Dias ao de leve

Há dias em que devia ser obrigatório sair-se de casa de pantufas. Passar o dia em pézinhos de lã, sem fazer barulho e sem pisar com força. Dias de bailarina, delicados, suaves, que tocam sem incomodar.

19.11.04

Angelorum

Anjos, arcanjos, tronos, potestades, dominações, virtudes, principados, querubins e serafins.
Fascina-me desde sempre este 'mundo alado' de figurações encantadoramente poéticas e misteriosas. Da representação enternecedora de Bouguereau, aos anjinhos de barro da APPACDM, passando pelo olhar de Wim Wenders numas Asas de Desejo intermundos ou pelos puti barrocos da Sé Nova, é ao som dos U2 que mais vezes me questiono: If God Will Send His Angels?...

18.11.04

Significados II

A primeira conversa romântica...

Positrão s. m. - electrão positivo; partícula de massa igual à do electrão e de carga eléctrica do mesmo valor absoluto, mas positiva, de vida efémera, existente nas radiações de certos elementos de radioactividade artificial, e nos raios cósmicos, cuja fusão com um electrão provoca o aniquilamento das massas e o aparecimento de fotões.

O concerto já tinha acabado, nos meus pés 'aquelas' sandálias brancas, uma caneca de Long Island à minha frente e o ambiente esfumado que só o Piano Negro sabia ter, a dar ambiente à conversa.

17.11.04

Significados I

Reza assim o meu dicionário:
Encontro, s. m. O acto de encontrar-se com alguém. Embate, choque. Obstáculo, objecção. (...)

1-4, ganha o pessimismo e eu começo a desanimar...

16.11.04

Black Bird

Disse-me há pouco tempo um amigo, que o belo só existe em cada um de nós por aquilo que nos evoca. No meu cofre-forte guardo com muito carinho um passeio emotivo por Amesterdão, em que presenciei a insanidade de um homem a crescer de tela para tela, num voo sem rumo.
Mais tarde redescobri este Black Bird pela voz da Maria João e apeteceu-me juntá-los.
Não há como explicar, arrepio-me, comovo-me, dou graças, sorrio...



Blackbird singing in the dead of night
Take these broken wings and learn to fly
All your life
You were only waiting for this moment to arise

Blackbird singing in the dead of night
Take these sunken eyes and learn to see
All your life
You were only waiting for this moment to be free

Blackbird fly, blackbird fly
Into the light of the dark black night
Blackbird fly, blackbird fly I
nto the light of the dark black night
You were only waiting for this moment to arise
You were only waiting for this moment to arise

Lennon/McCartney

15.11.04

guidinha

Aqui vai uma confissão: nos dias de muita fúria interior, gente mesquinha ou chuva torrencial, venha de lá uma chávena a transbordar do meu predilecto English Rose, e uma ou duas redacções da Guidinha, intemporais, na pena avant garde do Luís de Sttau Monteiro.
Bom proveito!

As Chaves

Antigamente usavam-se umas chaves de porta grandes que precisavam dumas fechaduras grandes com uns buracões grandes por onde se espreitava bem o olho sentia-se à vontade e uma pessoa gozava sem cansar a vista depois inventaram umas chaves chamadas Yale que entram nuns buraquinhos fininhos que parecem frestas de portas e que cansam a vista é por isso que tanta gente usa óculos é uma indecência dá cabo da vista à gente e as pessoas começam a desistir de andar informadas daqui a pouco ninguém sabe o que é que fazem os vizinhos e a vida é uma chatice tão grande que muita gente vai suicidar-se sim se a gente só sabe o que faz e não sabe o que os outros fazem para que é que se vive lá na minha escola a professora diz que a ciência é filha da curiosidade houve um homem que estava a dormir debaixo duma macieira vai caiu-lhe uma maçã em cima da penca e ele teve tanta curiosidade que descobriu uma lei chamada a lei da gravidade que é a lei que diz quando é que as maçãs caem das árvores na terra dele sim porque na minha não caem por causa da gravidade caem por estar maduras mas as maçãs se calhar variam de terra para terra ora a verdade é que se o tal homem tivesse tido uma fechadura Yale entre o olho e a maçã não tinha descoberto nada tinha ficado com a vista cansada e as maçãs por não saberem a tal história da gravidade tinham continuado a cair da bicheza e da madureza o que fazia muita diferença lá porquê não sei mas toda a gente diz que sim eu é que não desisto e continuo a espreitar mesmo que todas as fechaduras sejam Yale agora por causa disso ando com os olhos a arder (...)

Luís de Sttau Monteiro

13.11.04

Ursices



Correndo o risco de tornar este blog pouco sério, resolvi 'postar' um urso.
Este, em particular, é um urso Forever Friends, que povoou a minha adolescência estampado em postais, canecas, material didáctico e incontáveis bilhetinhos intra-aulas.
Nunca percebi exactamente o porquê de ser o urso o animal-brinquedo de peluche de eleição, mas confesso-vos que me despertam uma imensa simpatia. O primeiro que tive, ainda antes de nascer, é grande, de pêlo curto e pouco macio, e parece cheio de esferovite. Teve direito a um grande laçarote de cetim azul ao pescoço, a condizer com os olhos, e grande parte da sua existência passou-a em lugar de destaque, sentado à cabeceira da minha cama.

The History Of The Teddy Bear

In 1902 President Theodore Roosevelt was on a hunting trip in Mississippi. As reported in the Washington Post, the presidential hunting party trailed and lassoed a lean, black bear, then tied it to a tree. The president was summoned, but when he arrived on the scene he refused to shoot the tied and exhausted bear, considering it to be unsportsmanlike.
The following day, November 16, Clifford Barryman, Washington Post editorial cartoonist, immortalized the incident as part of a front-page cartoon montage. Barryman pictured Roosevelt, his gun before him with the butt resting on the ground and his back to the animal, gesturing his refusal to take the trophy shot. Written across the lower part of the cartoon were the words "Drawing the Line in Mississippi," which coupled the hunting incident to a political dispute.
The cartoon drew immediate attention. In Brooklyn, NY, shopkeeper Morris Michtom displayed 2 toy bears in the window of his Stionary and novilty store. The bears had been made by his wife, Rose from plush stuffed excelsior and finished with black shoe button eyes. Michtom recognized the immediate popularity of the new toy, requested and received permission from Roosevelt himself to call them "Teddy's Bears."
The little stuffed bears were a success. As demand for them increased, Michtom mooved his business to a loft, under the name of the Ideal Novelty and Toy Corporation.
At the same time as it was born in The United States, the Teddy Bear was also born in Germany. The Steiff Company of Giengen produced it's first jointed stuffed bears during the same 1902-1903 period. The company had made toys for a number of years and had produced small wool-felt pincushion type animals of many varities. The animals were the creation of Margaret Steiff. Steiff bears were first introduced at the 1903 Leipzig Fair, where an American buyer saw them and ordered several thousand for shipment to the US.

11.11.04

(des)(en)caminhar



Caminante, son tus huellas
el camino, y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar,
Al andar se hace el camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino,
sino estelas en el mar.

Antonio Machado

Sempre gostei de palavras com prefixos e sufixos. Sobretudo os paradoxos de sentido que daí advêm e que são absolutamente verdade. Caminho que é percurso encaminha-se nas certezas de uma chegada ou esboroa-se nos passos em volta de um 'des' que a viagem não quer deitar fora?
É a mais surpreendente lição de vida, feita de acasos, encontros fortuitos e desilusões. Perder, chorar, procurar de novo. Cair e erguermo-nos a custo. Coxear até aprendermos a andar sem medo.
Caminhar.

8.11.04

Ao som de Adriana...


Avião sem asa, fogueira sem brasa
Sou eu assim sem você
Futebol sem bola,
Piu-Piu sem Frajola
Sou eu assim sem você

Por que é que tem que ser assim
Se o meu desejo não tem fim
Eu te quero a todo instante
Nem mil alto-falantes vão poder falar por mim

Amor sem beijinho
Bochecha sem Claudinho
Sou eu assim sem você
Circo sem palhaço,
Namoro sem abraço
Sou eu assim sem você

Tô louca pra te ver chegar
Tô louca pra te ter nas mãos
Deitar no teu abraço
Retomar o pedaço
Que falta no meu coração

Eu não existo longe de você
E a solidão é o meu pior castigo
Eu conto as horas
Pra poder te ver
Mas o relógio tá de mal comigo
Por quê? Por quê?

Neném sem chupeta
Romeu sem Julieta
Sou eu assim sem você
Carro sem estrada
Queijo sem goiabada

Sou eu assim sem você
Por que é que tem que ser assim
Se o meu desejo não tem fim
Eu te quero a todo instante
Nem mil alto-falantes vão poder falar por mim

Eu não existo longe de você
E a solidão é o meu pior castigo
Eu conto as horas pra poder te ver
Mas o relógio tá de mal comigo
Por quê?

2.11.04

All Saints

Em dia de Todos os Santos a minha eterna relação de amor-ódio com cemitérios volta à baila. Aflige-me tanto a afluência nestes dias de vendedores de flores e velas com um ícone de Cristo, (preferencialmente de peito aberto em chaga e tez branca de leite), como nos dias normais me afligem as rosas de plástico com pintas de cola transparente em jeito de água fresca acabadinha de borrifar, com cores tão berrantes, que não soubéssemos nós que de plástico são feitas, acreditávamos estar perante um milagre de cor geneticamente modificada.
Respeito profundamente os nossos ritos, mas entristeço-me com eles. Temos obrigações físicas post-mortem. Dias marcados na agenda, cores interditas, vocabulário arejado e positivo sobre os 'santinhos' que já lá estão. Choramos, carpimos, falamos baixinho e vamos sofrendo a dor genuína, sempre muito mais sentida e lúgubre quando nos nossos folclóricos cemitérios.
Venham de lá placas de pedra branca, lisa, e hectares de relva, flores com raízes na terra, árvores e piqueniques. Crianças a brincar e a falar alto, num espaço que pode e deve ser exemplo de vida.

31.10.04

Nariz pingão

"A sinusite é uma infecção da mucosa que reveste a «parede» dos seios perinasais, que são quatro: o seio maxilar, o seio frontal, o seio etmoidal e o esfenoidal. Surge geralmente dois ou três dias após uma vulgar gripe ou de uma infecção respiratória alta, devido às alterações inflamatórias, nomeadamente o edema, que se fazem sentir nestas situações na mucosa nasal."

Ainda tenho disponível a explicação pormenorizada da sinusite crónica, que tenho a honra de hospedar em permanência. Poupo-vos a isso, já basta o dia feio, a cabeça pesada e o nariz pingão. O que vale é que amanhã é feriado.

30.10.04

Crise de fé num dia de chuva

Anjos ou Deuses

Anjos ou deuses, sempre nós tivemos,
A visão perturbada de que acima
De nós e compelindo-nos
Agem outras presenças.

Como acima dos gados que há nos campos
O nosso esforço, que eles não compreendem,
Os coage e obriga
E eles não nos percebem,

Nossa vontade e o nosso pensamento
São as mãos pelas quais outros nos guiam
Para onde eles querem
E nós não desejamos.

Ricardo Reis

Salvação


Hoje é o dia do teu aniversário e por ironia do destino estive um par de horas na igreja onde me despedi de ti. Asseguro-te de que não ouvi nada do que ali se disse. Perdi-me, dividida entre as músicas que não me apetecia cantar e a beleza única de S.Salvador. Fazes falta nesta terra.
Um beijo,
Joana

13.10.04

Seurat


Se olharmos com cuidado para este "Domingo à tarde na Ilha da Grande Jatte"conseguimos entrever a imensidão de pontinhos de cor que formam a imagem.
Aprendi o que significa pontilhismo com meninos de dez anos, na St.Michael's Church of England First School. Com a simplicidade única da idade, explicaram-me que era uma técnica muito fácil e mostraram-me as suas obras primas.

Hoje foi dia de saudade.

12.10.04

Descoberta do dia

Se eu pudesse iluminar por dentro as palavras de todos os dias
(O soneto que só errado ficou certo)

Se eu pudesse iluminar por dentro as palavras de todos os dias
para te dizer, com a simplicidade do bater do coração,
que afinal ao pé de ti apenas sinto as mãos mais frias
e esta ternura dos olhos que se dão.

Nem asas, nem estrelas, nem flores sem chão
- mas o desejo de ser a noite que me guias
e baixinho ao bafo da tua respiração
contar-te todas as minhas covardias.

Ao pé de ti não me apetece ser herói
mas abrir-te mais o abismo que me dói
nos cardos deste sol de morte viva.

Ser como sou e ver-te como és:
dois bichos de suor com sombra aos pés.
Complicações de luas e saliva

José Gomes Ferreira

7.10.04

One and one makes three


Tenho esta fórmula a bailar-me no espírito há semanas. Culpa inequívoca de um episódio da Dharma & Greg.
Um e um são três no milagre da vida que vejo crescer tão perto, na trindade una e plural que a minha fé procura, no amor diverso de duas pessoas em busca de um mesmo caminho.
Um e um são três.

23.9.04

Tila Hood, ou a versão portuguesa do Robin

A Otília é uma mulher de armas. Idade tão indefinida como a cor do cabelo (sempre apanhado num rabo de cavalo teimoso), trabalha com a força e genica de quem é simples, todos os dias, incansavelmente. Fala alto, refila muito, se lhe cai alguém no goto, é um anjo, uma querida, uma jóia, se há alminha que toma de ponta, rosna baixinho enquanto atira a bica ou o combinado para cima do balcão.
Hoje, (e tenho a dizer-vos que vou cometer uma inconfidência) ouvi uma conversa entre a Tila e um homem velho de rosto, encolhido na roupa muitos números acima do dele, acabrunhado nas nódoas de tinta e no pó que um servente carrega consigo. O homem que parecia avô de longa data, tinha pouco mais que 50 anos e a miséria estampada na alma. A Tila aconselhava, admoestava, dava exemplos de desgraça familiar, lembrava que era preciso afastar-se das más companhias, não beber, e ter sempre dinheiro que chegasse para a renda do quarto. Que não se apoquentasse com o dinheiro do almoço, pagava o patrão no final da semana, e quanto à bucha da manhã, era por conta dela, que a gente aqui com tantos ricos, também nos há-de sobrar alguma coisinha para quem precisa.
Escusado será dizer que poisei os talheres no prato...
Sobrar para quem precisa? Enquanto vivermos na ilusão de que é com as sobras que matamos a fome aos males do mundo, não há Tilas nem lições de humanidade que nos valham.

22.9.04

Que vergonha, Portugal!

Colocação Manual dos Professores Adia Resultados do Concurso para Final de Setembro

«Se dúvidas houvesse quanto à possibilidade de todos os professores ficarem colocados até 23 de Setembro, o último dia estabelecido pelo Governo para o início do ano lectivo, as piores expectativas confirmaram-se ontem. Depois de mais um prazo falhado, ao princípio da noite de ontem, a ministra da Educação, Maria do Carmo Seabra, anunciou que, afinal, as listas definitivas do concurso de docentes serão conhecidas "a 30 de Setembro, o mais tardar".
Em causa está o destino de cerca de 50 mil candidatos ao concurso de destacamento e afectação que, só então, saberão em que escolas vão dar aulas. Isto se o Ministério da Educação (ME) conseguir cumprir esta última fase, que não se afigura fácil. Depois de todas as falhas, a tutela decidiu abdicar do programa informático que estava a gerir as colocações de professores e vai avançar com o processo manualmente.»


in Público

21.9.04

Reflexões de fim de tarde


Porque se dormem sestas deliciosas nos jardins da Casa-Museu Rodin e porque hoje estou num destes dias: pensativa qb, venha de lá esse cigarro e serei definitivamente pessoana.

Outras margens

Durante anos bebi as palavras de Maria Rosa Colaço ao som dos Trovante, enquanto imaginava o meu destino-quase...

Outra margem

E com um búzio nos olhos claros
Vinham do cais, da outra margem
Vinham do campo e da cidade
Qual a canção? Qual a viagem?

Vinham p’rá escola. Que desejavam?
De face suja, iluminada?
Traziam sonhos e pesadelos.
Eram a noite e a madrugada.

Vinham sozinhos com o seu destino.
Ali chegavam. Ali estavam.
Eram já velhos? Eram meninos?
Vinham p’rá escola. O que esperavam?

Vinham de longe. Vinham sozinhos.
Lá da planície. Lá da cidade.
Das casas pobres. Dos bairros tristes.
Vinham p’rá escola: a novidade.

E com uma estrela na mão direita
E os olhos grandes e voz macia
Ali chegaram para aprender
O sonho a vida a poesia.

Neste mês de Setembro, a margem espraiou-se: em olhares e culturas díspares que tenho novamente o privilégio de ensinar, nos sorrisos de quem me sente a falta e aponta o dedo com o carinho acusatório permitido apenas aos que amamos, nas margens brancas e cremes do papel de 70 ou 80 g que escolho laboriosamente para os livros que agora me nascem das mãos...
Margem-carinho-dom-papel-história.
Margem-fronteira-voo-encontro.
Margem de mim, margem em branco...
Só hoje reparei quanto gosto desta palavra feita espaço: MARGEM.
É bonita, não é?

4.9.04

Êxodos quotidianos


Bombaim, Índia, 1995 - Sebastião Salgado

Ao ver mais imagens de horror sobre a Ossétia, lembrei-me da exposição do Sebastião Salgado que vi há uns quatro anos no Parque das Nações. Fui sozinha e agradeço esse acaso fortuito da não-companhia pelas memórias vivas que as fotografias me deixaram. Gente. Gente que não incomoda porque está longe, que não maça porque não é notícia, que vai sofrendo porque acredita no remedeio de um quotidiano triste.
«Church Gate é a estação final da Western Railroad, que traz 2,7 milhões de passageiros para Bombaim todos os dias.»
A estação final?

Mudança(s)

Quando o meu amor parece não chegar para os remendos de ti, sinto-me perdida.
Hoje, baloicei na chuva forte de um enlace cuja música me enterneceu. Ouvi palavras sábias. Ri.
Demoro os olhos entre sopros de bolas de sabão. Recortes de tempo-saudade. Mudança.
Que o fim que te assusta seja início. Deixa-me apenas secar-te as lágrimas e aninhar-me no futuro nosso.

26.8.04

As pessoas sensíveis

As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas


O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra


"Ganharás o pão com o suor do teu rosto"
Assim nos foi imposto
E não:
"Com o suor dos outros ganharás o pão".


Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito


Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem.


Sophia de Mello Breyner Andresen


Há dias em que me apetece transformar este poema em cartaz. Nesses dias, confesso que tenho muito medo das pessoas sensíveis...

Abaixo os silêncios de ouro

O Grito, Edward Munch: paradeiro desconhecido.

21.8.04

Jeux D'Amour

Foi na voz de Celina da Piedade que tive o prazer de ouvir esta música pela primeira vez. Sensual, desafiadora, química. Há quase um ano, com o TAGV cheio a abarrotar. Do balcão, na distância imprecisa das formas, Jeux d'Amour foi, para mim, a surpresa da noite.
Redescobri-a agora em 'Cinema', um álbum que aconselho e em que me viciei.

14.8.04

Back to business

Fim de férias. Comecei, recomecei, iniciei. Ontem foi sexta-feira 13 e o primeiro dia de trabalho. Sem rede. Uma folha em branco... literalmente falando.

7.8.04

Para ti



Só para te dizer que quero saborear Maçãs de Junho durante todo o ano... durante toda a vida...

"És a estrela da alvorada e a madrugada junto ao cais
És tudo o que eu vejo em ti, és a alegria e muito mais
És a minha maçã de Junho, és o teu corpo e o meu
Amo-te mais que à vida, que a vida sem ti morreu
Amo-te mais que à vida, que a vida sem ti morreu

És a erva perfumada, debruada a girassóis
O trago do café quente nas manhãs entre lençóis
És a minha maçã de Junho e a minha noite de Verão
Anda, vem comigo, vamos, dá-me a tua mão
Anda, vem comigo, vamos, dá-me a tua mão

És o encontro na estrada, és a montanha e o pôr do sol
O vinho bebido em festa, és a papoila e o rouxinol
És a minha maçã de Junho e a minha estrela polar
Sem ti eu não tenho norte, sem ti eu não sei amar.
Sem ti eu não tenho norte, sem ti eu não sei amar."

Desafios

Faz hoje precisamente quatro dias que fui DESAFIADA. Assim mesmo, tal e qual como se lê, com letra bem maiúscula, a puxar-me para fora de mim.
Gostei da sensação. Entre o brilhozinho nos olhos e o frio a percorrer-me o corpo na ânsia de um desconhecido que fascina, decidi que vou ter medo, que vou dar o salto no escuro, que vou arriscar.
Com a certeza de um Palma a consolar-me..

"Na terra dos sonhos, podes ser quem tu és, ninguém te leva a mal
Na terra dos sonhos toda a gente trata a gente toda por igual
Na terra dos sonhos não há pó nas entrelinhas, ninguém se pode enganar
Abre bem os olhos, escuta bem o coração, se é que queres ir para lá morar"

3.8.04

I Giorni


Esta manhã fui comprar um presente de aniversário com quase nove meses de atraso. Um cd bellissimo de um compositor italiano chamado Ludovico Einaudi. Ofereci-o a mim mesma há pouco mais de um ano, depois de uma aventura radiofónica na minha querida Classic FM, que durante meses me deu a conhecer as melodias e não me disse o nome do compositor.
Por terras Lusas, a Fnac tem apenas um disco à disposição: Le Onde.

Lake District


Com vista sobre o lago Windermere e um tempo fantástico, apaixonei-me por este canto do mundo que vale a pena visitar. Do absolutamente romântico aos desportos radicais, passando pelos sossegados passeios a pé ou de bicicleta, o Lake District é, indubitavelmente, um lugar mágico. Aconselho Ambleside como ponto de partida. (Bed and Breakfast's q.b.e um restaurante italiano muito charmoso: Zeffirelli's.) Se o carro for uma opção, sigam até à Grizedale forest para uma tarde bem passada no cimo das árvores... Go Ape!

29.7.04

Fahrenheit 9/11

 
Há pouco mais de um ano juntei-me a duas manifestações contra as decisões tomadas pelos E.U.A. e companhia limitada em relação ao Iraque e repensei tanto do que tinha como certo. O cartaz que levei comigo é o da fotografia.
Lembro-me de que na altura escrevi um mail colectivo com esse mesmo título: Not in my name. Ainda hoje faço a mesma pergunta: em nome de quem esta barbárie contínua?
Ontem fui ver o Fahrenheit 9/11 e entristeci-me: o cartaz é ainda espelho da actualidade.

Ainda os brandos costumes...



"Ai de Portugal Se Não Fosse a Boa Vontade da População e Os Bombeiros"

O título é do Público de hoje e não soa a novidade. Aqui, tentar explicar a alguém o conceito de fogo posto, é sinónimo de olhar comiserativo e abanar de cabeça. Incendiar? De propósito? It doesn't make sense...

28.7.04

Friendly enough

 
...hi there cheers mate what can i do for you love are you alright bring me a pint please and some crisps what about a muffin, a piece of cheesecake with some custard on the top not really in the mood nevermind you'll get over it but i'd love a nice hot cup of tea medium size yes milk yes please here you go anything else not sure take you time i think that's all have a nice day... 

Sei que nem vale a pena acrescentar, mas olhem, paciência, fica para a posteridade: gosto mesmo deste país.
God save the English people!

27.7.04

Viajar



Viajar! Perder países!
Ser outro constantemente,
Por a alma não ter raízes
De viver de ver somente!

Não pertencer nem a mim!
Ir em frente, ir a seguir
A ausência de ter um fim,
E a ânsia de o conseguir!

Viajar assim é viagem.
Mas faço-o sem ter de meu
Mais que o sonho da passagem.
O resto é só terra e céu.

                                         Fernando Pessoa

Depois de quase dezoito horas de viagem, repleta de atrasos e imprevistos, cheguei ao meu destino perto, o primeiro destas férias. Não estranhem por isso a falta de novas. Regresso em meados de Agosto.

25.7.04

Comoção

Ontem casaram dois amigos. A alegria do reencontro, da saudade, de sorrisos, olhares e conversas, apertou laços também. Aos meus amigos, aos que ficaram e a quem não darei licença de partida, um poema.
 
 
Amigo

Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra amigo!
Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
Amigo (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!
Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado.
É a verdade partilhada, praticada.
Amigo é a solidão derrotada!
Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa!

Alexandre O'Neill

L'amour est enfant de Bohême

Vi esta semana um dos Proms. Por mero acaso, culpa de um zapping sonolento e tardio. Milhares de pessoas, descontraidamente e a preços aceitáveis, ouvem, vibram, apreciam música clássica com o à vontade de um concerto de rock.
Apanhei o final da Habanera, da Carmen, cantado pela voz cristalina de uma soprano novinha de quem não sei o nome.
Paixão na voz e na letra, que recomendo à tous les amoreux...

 
«Quand je vous aimerai?
Ma foi, je ne sais pas,
Peut-être jamais, peut-être demain.
Mais pas aujourd'hui, c'est certain.
 
L'amour est un oiseau rebelle
Que nul ne peut apprivoiser,
Et c'est bien en vain qu'on l'appelle,
S'il lui convient de refuser.
Rien n'y fait, menace ou prière
L'un parle bien, l'autre se tait;
Et c'est l'autre que je préfère
Il n'a rien dit; mais il me plaît.
L'amour! L'amour! L'amour! L'amour!
 
L'amour est enfant de Bohême,
Il n'a jamais, jamais connu de loi,
Si tu ne m'aime pas, je t'aime,
Si je t'aime, prend garde à toi!
Si tu ne m'aime pas,
Si tu ne m'aime pas, je t'aime!
Mais, si je t'aime,
Si je t'aime, prend garde à toi!
Si tu ne m'aime pas,
Si tu ne m'aime pas, je t'aime!
Mais, si je t'aime,
Si je t'aime, prend garde à toi!
 
L'oiseau que tu croyais surprendre
Battit de l'aile et s'envola;
L'amour est loin, tu peux l'attendre;
Tu ne l'attend plus, il est là!
Tout autour de toi vite, vite,
Il vient, s'en va, puis il revient!
Tu crois le tenir, il t'évite;
Tu crois l'éviter, il te tient!
L'amour, l'amour, l'amour, l'amour!»

23.7.04

Vita brevis. Ars longa



Ouvi no carro, esta manhã, os Verdes Anos. Como sempre, os últimos acordes já mergulhavam nas minhas lágrimas. Poesia pura. Mais não consigo dizer.
Morreu Carlos Paredes.

22.7.04

Small joys

'Mr. Daydream does not exist. Or does he?
It seems that he only exists in your imagination. But he’ll brighten up any boring day by whisking you away for an adventure as you daydream.'

 
A minha pequena colecção ainda só tem dez títulos, comprados ao sabor do estado de espírito e das condições atmosféricas: Mr. Tickle, Mr. Greedy, Mr. Sneeze, Mr. Snow, Mr. Small, Mr. Worry, Mr. Nonsense, Mr. Wrong, Mr. Slow e Mr. Cheerful.

São livros de bolso fabulosos, com ilustrações de Roger Hargreaves, em duas colecções: Mr. Men (43 estados de alma) e Little Miss (30 personalidades).
Dose diária recomendada de histórias que fazem sorrir... e reflectir!

A dois mestres de vida...

  Sophia por Arpad Szenes
                              
Pudesse Eu
Pudesse eu não ter laços nem limites
Ó vida de mil faces transbordantes
Para poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes!

 
Sophia de Mello Breyner Andresen 
  



Sísifo  
Recomeça...
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
 
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

 
Miguel Torga

(In)finitos



A B C
 
"Quantas horas perdi
foi por ti
que as perdi."
 
Vai o meu coração
repetiu a lição:
 
- "Quantas horas perdi
foi por ti
que as ganhei..." 
                                             Sebastião da Gama
 
E assim termina mais um ciclo de vida, mais um ano em que tive o privilégio de me dar. Não sei se por inteiro, e estou certa de que muito ficou por fazer e dizer, mas no meio das palavras que tento tornar mágicas aos olhos de plateias em rebuliços hormonais, sou infinitamente feliz.

21.7.04

Nouvelle Vague

 
Uma preciosidade. Nouvelle Vague  é um disco de versões dos Joy Division, The Cure, Depeche Mode, Sisters of Mercy, Clash... com ritmo de Bossa Nova.
Descarreguem do site o Love will tear us apart  e satisfaçam a vossa curiosidade melómana!

20.7.04

Flor III


Em frente à lareira quero um quadro de Van Gogh à média luz, um copo de porto e o Clair de Lune a tocar baixinho, trocando risos com amigos que nunca partirão. Vou deixar-me (só hoje!) adormecer na saudade.

Flor II

"Pede-se a uma criança:  - Desenhe uma flor.
Dá-se-lhe papel e lápis.
A criança vai sentar-se no outro canto da sala, onde não há mais ninguém.
Passado algum tempo, o papel está cheio de linhas, umas numa direcção, outras noutra, umas mais carregadas, outras mais leves, umas mais fáceis, outras mais custosas.
A criança quis tanta força em certas linhas, que o papel quase que não resistiu. Outras, eram tão delicadas, que apenas o peso do lápis já era demais. Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas.
- Uma flor!
As pessoas não acham parecidas estas linhas com as de uma flor. Contudo, a palavra flor andou por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor.
E a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou todas... Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares, mas são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor."
 
José de Almada Negreiros

Flor I

A Primeira Flor
por Joaquim Fidalgo
 
E ele pega na tulipa, uma vermelha, dá dois passos disfarçados até à mesa da Ti Arminda...
À pastelaria deu-lhe para vender flores naquele dia. Simpatia aos clientes ou faro de negócio, fosse o que fosse, junto à caixa havia uma grande jarra de tulipas a um euro cada, vermelhas, brancas, amarelas, as pessoas iam pagar e ficavam admiradas, isto é para vender?, que sim, que era, Dia dos Namorados, não sabe?, a patroa achou que talvez... "Então dê-me uma, por favor, não, essa não, posso escolher?", claro, faça o favor, e o rapaz escolhia, e lá ia à mesa entregar a flor à namorada e ela oferecia-lhe o beijo que ia escrito naquela tulipa, e depois de um beijo outro beijo, e um brilho nos olhos, e as mãos, as mãos, e os clientes em volta olhavam cúmplices, género olhar sem olhar mas ver, e sorriam lá para eles de ternura, ar aprovador, que coisa bonita!, as flores é assim, mesmo quem não as dá acha bem vê-las dadas.
Era uma pastelaria de bairro, clientela mista, ora pares de jovens a conversar, ora gente de mais idade, gente simples, trabalhadeira, dali, de se sentar na mesa certa, as empregadas conhecendo por nome, então Ti Arminda, isto hoje é que está um frio!, o galãozinho do costume e meia torrada?, pois sim, a ver se aqueço, sai também o cafezinho do senhor Sousa, bem curto, pelo meio um dedo de conversa, assim, estar.
E o senhor Sousa, ar de operário já nos cinquentas, calça coçada e casaco de todos os dias, um cigarro sem filtro ao canto da boca, de repente vê aquelas flores, chega-se ao balcão e pergunta de que são, ri-se maroto, vê ali um parzinho com tulipa, além mais outro, e resolve-se: em segredo, dê cá uma dessas, ó Maria, e a Maria rindo, isso mesmo, senhor Sousa, e ele pega na tulipa, uma vermelha, dá dois passos disfarçados até à mesa da Ti Arminda, de repente levanta o braço, a tulipa brilhando por todos os lados, pega lá, mulher!. O quêêê?!...., o que é isso, homem?!.... é uma flor, não estás a ver?, e p'ra que é?!... é p'ra ti, poça!, então não queres?... p'ra mim?!.... ai minha Nossa Senhora!, e a Ti Arminda, mulher gorda, simples, talvez vendedeira dali do mercado, saia escura e avental de grandes bolsos mais o xaile cruzado no peito, ai! aqui à frente desta gente toda!... Lá pegou na flor mas corou, corou, corou de quantos vermelhos havia, e escondeu a cara, e tudo em volta sorria, então, Ti Arminda, hoje é o Dia dos Namorados, você também tem direito a uma flor, sim senhor, senhor Sousa, assim é que é! E o senhor Sousa, cigarro na boca, sorriso gaiato, ali de pé à volta da mesa, feliz com a atrapalhação comovida da mulher, deve ter sido a primeira vez que lhe deu uma flor, não é o género, muito menos de fazer essas coisas em público, nem um beijo, são gestos de sozinhos, mas chega um dia, sabe-se lá, vê-se aquilo à volta, dá-nos um impulso, apetece. "Não gostas, mulher?..." Sim, gostava, mas não estava à espera, minha Nossa Senhora, ai que vergonha!, e corada, perdida, mas tão contente!, pegou na tulipa com as duas mãos como quem rezava. E ria, ria, tu és maluco, homem!, aquele riso nervoso, tímido e terno, e toda a gente à volta sorria, e olhava, e ria, e gostava.
Nunca é tarde para flores. 

in Público, 19/02/03 

Clos Luce


Faltam precisamente seis dias para me pôr a caminho.
Contagem decrescente em contraponto com o tédio que se acumula
num trabalho precário com muito pouco de emprego. Falta de ar num espaço
em que não se cria, não se inova, não se investe na massa humana.
Invejo-te a ti, Leonardo. Por teres tido em Clos Luce um local mágico
que gostaria de revisitar, por teres ouvido estas palavras de estímulo...

«Tu seras libre ici, Léonard, de penser, de rêver et de travailler.»
François I


...por teres tido a liberdade de mudar o mundo.

19.7.04

Dolci parole

 
É-me impossível separar a palavra férias do verbo viajar, que vai ganhando espaço e histórias para contar no catálogo das minhas palavras favoritas.
Do meu último 'giro' apresento-vos Bassano del Grappa, a três passos de Veneza e com as Dolomites em pano de fundo.
A acompanhar, uma comovedora exposição do mestre Canova.

Sem calma

Não resisto: perdoem-me! O Manifesto é genial e o pobre Júlio Dantas não tem culpa do meu mau humor patriótico. Atrevo-me a abrir a votação: ACEITAM-SE CANDIDATOS AO LUGAR DE DANTAS (como forma de recompensa pelo sacrifício, oferecem-se governos).
 
MANIFESTO ANTI-DANTAS E POR EXTENSO
POR JOSÉ DE ALMADA NEGREIROS
POETA D'ORPHEU FUTURISTA E TUDO 
 
BASTA PUM BASTA
 
Uma geração, que consente deixar-se representar por um Dantas é uma geração que nunca o foi! É um coio d'indigentes, d'indignos e de cegos! É uma resma de charlatães e de vendidos, e só pode parir abaixo de zero!
 
Abaixo a geração!
 
Morra o Dantas, morra! - PIM!
 
Uma geração com um Dantas a cavalo é um burro impotente!
 
Uma geração com um Dantas à prôa é uma canoa em seco!
 
O Dantas é um cigano!
 
O Dantas é meio cigano!
 
O Dantas saberá gramática, saberá syntase, saberá medicina, saberá fazer ceias para cardeais, saberá tudo menos escrever que é a única coisa que ele faz!
 
O Dantas pesca tanto de poesia que até fax sonetos com ligas de duquesas!
 
O Dantas é habilidoso!
 
O Dantas veste-se mal!
 
O Dantas usa ceroulas de malha!
 
O Dantas especula e inócula os concubinos!
 
O Dantas é Dantas!
 
O Dantas é Júlio!
 
Morra o Dantas, morra! - PIM!
 
O Dantas fez uma sorôr Mariana que tanto o podia ser como a sorôr Inez, ou a Ignez de Castro, ou a Leonor de Telles, ou o Mestre d'Aviz, ou a Dona Constança, ou a Nau Catrineta, ou a Maria Rapaz!
 
E o Dantas teve cláque! E o Dantas teve palmas! E o Dantas agradeceu!
 
O Dantas é um ciganão!
 
Não é preciso ir para o Rossio p'ra se ser pantomineiro, basta ser-se pantomineiro!
 
Não é preciso disfarçar-se p'ra se ser salteador, basta escrever como o Dantas! Basta não ter escrúpulos nem morais, nem artísticos, nem humanos! Basta andar com as modas, com as políticas e com as opiniões! Basta usar o tal sorrisinho, basta ser muito delicado, e usar côco e olhos meigos! Basta ser Judas! Basta ser Dantas!
 
Morra o Dantas, morra! - PIM!
 
O Dantas nasceu para provar que nem todos os que escrevem sabem escrever!
 
O Dantas é um autómato que deita p'ra fóra o que a gente já sabe que vai sair... mas é preciso deitar dinheiro!
 
O Dantas é um soneto d'elle-próprio!
 
O Dantas em génio nem chega a pólvora seca e em talento é pim-pam-pum!
 
O Dantas nú é horroroso!
 
O Dantas cheira mal da boca!
 
Morra o Dantas, morra! - PIM!
 
O Dantas é o escárneo da consciência! Se o Dantas é português eu quero ser espanhol!
 
O Dantas é a vergonha da intelectualidade portuguesa! O Dantas é a meta da decadência mental!
 
E ainda há quem não córe quando diz admirar o Dantas!
 
E ainda há quem lhe estenda a mão!
 
E quem lhe lave a roupa!
 
E quem tem dó do Dantas!
 
E ainda há quem duvide de que o Dantas não vale nada, e que não sabe nada, e que nem é inteligente, nem decente, nem zero! 
(...)
 
Morra o Dantas! Morra! - PIM!

Com alma

 
«É preciso criar o espírito da aventura contra o sentimentalismo literário dos passadistas.
 
É preciso criar as aptidões pró heroísmo moderno: o heroísmo quotidiano.
 
É preciso destruir este nosso atavismo alcoólico e sebastianista de beira-mar. (...)
 
É preciso explicar à nossa gente o que é democracia para que não torne a cair em tentação. (...)
 
É preciso ter a consciência exacta da Actualidade. (...)
 
FINALMENTE: é preciso criar a pátria portuguesa do século XX» 
  

Reli hoje o ultimato que um futurista Almada escreveu ao povo português em 1917. Parei na capa. Li-a vezes sem conta: 'Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do Século XX'. Estranho... Ter-me-ei enganado no século ou estarei apenas desiludida com o nosso futuro?

18.7.04

Fungo

Nasceu em Lisboa, é corvo e não dá pelo nome de Vicente. Chama-se Fungo, e é uma personagem que vai, com certeza, dar que falar!
Parabéns Fisga!
 
http://fungo.home.sapo.pt/index.html

17.7.04

Aquarela

Tenho a ponta do nariz queimada pelo sol da tarde e no corpo aquele torpor que não chega a ser cansaço. Hoje o dia foi retrato de si mesmo, espelho de água, risos e sorrisos sobre um rio que deixou de ser basófias, para desaguar docemente ao sabor das nossas mãos de alvenaria feita barragem. Soube-me bem. Fugi, nem sei bem de quê e dei por mim num cenário desconhecido, quase Aquarela... 

http://www.laboratoriodedesenhos.com.br/aquarela.htm 

"Numa folha qualquer eu desenho um navio de partida
Com alguns bons amigos bebendo de bem com a vida
De uma América a outra eu consigo passar num segundo
Giro um simples compasso e num círculo eu faço um mundo
Um menino caminha e caminhando chega no muro
E ali logo em frente a esperar pela gente o futuro está..." 

Toquinho e Vinicius... vale a pena espreitar!

16.7.04

Rita posta em guarda



http://www.mariaritamariano.net/

O site é não oficial, as fotografias deliciosas, a voz, essa superou a pureza herdada da mãe e a força de quem se dá em genuíno. Maria Rita é uma das grandes favoritas para os Grammy Latinos, um vendaval que também sabe embalar poesia.




Menina da Lua
Leva na lembrança
A singela melodia que eu fiz
Prá ti, ó bem amada
Princesa, olhos d'água
Menina da lua
Quero te ver clara
Clareando a noite densa deste amor
O céu é teu sorriso
No branco do teu rosto
A irradiar ternura
Quero que desprendas
De qualquer temor que sintas
Tens o teu escudo
O teu tear

Tens na mão, querida
A semente
De uma flor que inspira um beijo ardente
Um convite para amar...

Escheriana



Enredos com sabor a insónia...

15.7.04

O olhar de Doisneau (1912-1994)

Robert Doisneau est l'un des principaux représentants du mouvement des "photographes humanistes". Ses archives contiennent plus de trois cent vingt-cinq mille négatifs couvrant, à partir de 1929, plus de soixante années s'attachant presque à tous les sujets possibles. La plupart ont vu le jour dans un espace assez étroit : Paris et la banlieue.

O Sorriso

Creio que foi o sorriso, 
O sorriso foi quem abriu
a porta.
Era um sorriso com
muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa,
ficar
nu dentro daquele
sorriso.
Correr, navegar, morrer
naquele sorriso.

Eugénio de Andrade