22.4.06

menina flor


Quando o coração enraíza noutras vidas é sempre mais difícil manter a clareza do olhar.
Último dia em Macau. Passo a manhã no centro, a deambular com o mapa tão fechado como as lojas que antes das dez não têm vida. Divirto-me a adivinhar que figuras de origami estão no meio da calçada portuguesa, mas não é óbvio. Aliás, nada aqui é óbvio. Roubo a expressão para confessar que esta terra me ficou encravada. Encravada entre viagens, encravada entre o que não consigo perceber e entre o que não tenho o direito, sequer, de comentar.
Da casa que é Taipa vejo a ponte da Amizade e se abrir a janela, para além dos montes, dos prédios e do mar, invade-me a bruma que não deixa estas paragens e o barulho contínuo de obras. Conquista-se terreno para mais um casino. Um por esquina, porta sim, porta sim. Néons que nos convidam a entrar no Louvre ou no Greek Mithology convivem pacificamente com Estabelecimentos de Bebidas, Casas de Sopas de Fitas e Farmácias Populares. As ruas são um frenesim constante de lambretas, última moda em versão imitação e crianças de uniforme a caminho do colégio.
Páro no Caravela para um café. As empregadas filipinas atendem-me em português. No consultório do Dr. Yip, a placa diz médico dentista e há um crucifixo por detrás do balcão. Almoçamos numa tasca tailandesa em que só é possível comunicar por gestos e uma volta de taxi pode começar por inglês, passar a mandarim, tentar o cantonense e acabar de dedo apontado no mapa.
No caminho até Coloane os doze signos do horóscopo chinês povoam o meio da avenida. Procuro a 'minha' serpente e tenho pena de estar demasiado escuro para não a conseguir fotografar. Vim até cá na primeira noite e hoje apeteceu-me regressar. Gosto deste lugar. Traz-me paz. A paz que às vezes sinto faltar a quem se procura num sítio que parece não fazer sentido. A paz que os sítios emprestam apenas e que não nasce dos excessos... nem do optimismo irrealista, nem do pessimismo exagerado. A paz que vem de dentro.
No cimo da colina a deusa A-Ma olha por nós, maternal e distante de tudo o que vai enchendo o horizonte.
Até já.

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