30.6.05

Apontamento

A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.

Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.

Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.

Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?

Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.

Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.

Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-no especialmente, pois não sabem por que ficou ali.

Álvaro de Campos

pó de giz

Amanhã quero ter um sorriso aberto.
Quero reaprender a falar devagarinho e com as sílabas todas (sobretudo as últimas, átonas por excelência e que nunca se ouvem).
Quero dar as boas-vindas aos olhares que ainda não conheço com tanta verdade, que na tradução simultânea que só o gesto consegue ter, se ouça: estou aqui para vocês.

27.6.05

até

Sou lágrima fácil. Assumo. Fiz um esforço grande para não me debulhar quando o Anakin Skywalker se assumiu pelo lado negro da Força e renasceu Darth Vader. Marejam-se-me os olhos quando ouço versos de Camões no novo anúncio da PT ou quando me deixo embalar pelo Clair de Lune.

Fui lágrima fácil porque ontem me disseram que era uma menina muito especial. Ouvi-o com ternura, acreditei. Disseram-me que era uma boa menina. Tentei acreditar, talvez seja... tenho dias... enfim, dei-lhe o benefício da dúvida mas chorei de mansinho porque percebi que a tristeza profunda pode ser libertação.

E entre as minhas mágoas doridas lembrei-me de uma tirada final da Carrie Bradshaw no Sexo e a Cidade, que de tão óbvia puxou a lágrima fácil: quero e tenho o direito de ser amada por inteiro.

De ti para mim, de mim para ti, até que o nós exista.

26.6.05

rosas, rios e manhãs claras

Não houve versos urgentes como este nos últimos dois dias. Não houve nada de incrivelmente novo, fantástico ou avassalador. Os dias existiram. Assim. Houve o primeiro mergulho no mar (quente!) deste ano. O conhecer a doçura das pessoas importantes para pessoas importantes da minha vida. Um café de fim de tarde para ter mais uma vez a certeza que me conheces bem demais e a serenidade com que ouvi estas palavras: uma relação é amor se nos dignifica.

25.6.05

21.6.05

desurbanidades

Deitar-me de costas no chão. Uma camisola grossa. Acender um cigarro. Passar esta noite a olhar para a lua brutal que está lá fora. Em silêncio. Em conversa.

Vens?

20.6.05

pois

Ele há dias em que a vida precisava mesmo era de um serviço de tradução e legendagem.
Tenho dito.

19.6.05

não havia necessidade...

Uma menina sorridente e impregnada de ar profissional apressou-se a explicar-nos à entrada do balcão:

«- A vossa fila é a K. É simples: sobem as escadas e vão seguindo as letrinhas, que estão por ordem alfabética, o K está lá para o meio. Depois é só seguirem os númerozinhos.»

17.6.05

revelação frutífera

(com uma taça cheia de caroços à frente e olhar guloso)

As cerejas são como as pessoas: cristalizadas não têm graça nenhuma.

retrato


Adaptado do cartaz do 6º Salão de Lisboa de Ilustração e Banda Desenhada

menina_pé-ante-pé_boneca_anjo__voo_parafusos_terra_chão_asas_olhar_longe

15.6.05

só tu

Seguras-me na mão. Desenhas-me uma festa pelo cabelo e dizes baixinho: '- Já passou'

Procuro os teus olhos. Encontro-os depressa e posso serenar antes do sono profundo: estás comigo.

Acordo-te de noite. Não contenho o soluçar. Entras sem acender a luz. Sentas-te à beirinha da cama e abraças-me em silêncio.

Se eu poisar a cabeça nos teus joelhos, promete que me sussurras ao ouvido: '- Vais ser feliz!'

13.6.05

mais perto

«Ou damos o que temos, ou deixamos apodrecer.»

As palavras são da Madre Teresa de Calcutá, pela voz do Nuno. Num fim de tarde apaziguador reencontrei um bocadinho do silêncio que me andava a fazer falta. No dia em que o meu poeta maior se despediu, senti-as mais verdade do que nunca. Dar o que temos cá dentro, o que temos de material, o que sonhamos. Dar testemunho. Dar descaradamente, com toda a lata e desfaçatez que tantas vezes não ousamos sequer experimentar. Dar porque sim, porque só assim faz sentido.

Adeus


Há quase um ano abri este blog com um poema teu, 'o' poema.
O sorriso que me tem acompanhado nos últimos anos, que sei de cor, que escrevo vezes sem conta só para olhar para as palavras que saíram de ti e já são tão minhas.
Hoje de manhã, quando soube que já não estavas entre nós, fiz o que me ensinaste: sorri e deixei que a porta se abrisse mais um bocadinho.

Obrigada.

12.6.05

sem comentários

Pior do que a neura dominical, causada única e exclusivamente pelo facto de ser domingo, é abrir a janela e ouvir a música da carrinha da Family Frost...
Confesso que nestas coisas sou mesmo primária: que irritação!

10.6.05

ralações


The Book of Bunny Suicides, by Andy Riley

...ou o que me apetece fazer quando a dor de cabeça ataca e o migraleve acabou.

9.6.05

olhó fim-de-semana fresquinho!

é fruta ó chocolate!
é pró menino e prá menina!
é filosofia de ponta!

8.6.05

jantares de Verão

- 1 fatia de queijo Feta
- 3 tomates chucha
- sal qb
- muitos óregãos
- um fio de azeite
- vinagre balsâmico

Se fechar os olhos entre duas garfadas, arrisco-me a voar para um sol com casas brancas enfileiradas entre os azuis do céu e do mar...

sou mesmo eu?

Dizer que sim à primeira... pensar depois, e continuar com vontade de dizer sim.

7.6.05

margarida


Hoje, no teu dia, faço minhas as tuas palavras: QUERO-TE BEM!

Sussurras-nos aos ouvidos com o quebrantar de voz que é tão teu. No embalar do carro já é noite e há uma ponta de melancolia entre todos. Há silêncios, há o fumo do cigarro pontual, a viagem que corre sem pressas, o sono de um dia. Mais um. Amanhã vai estar calor outra vez. Vou lembrar-me de tudo, de todos os exemplos com que me vais apontando o caminho sem dar por isso. Conheces-me bem as manhas. Só lá vou com o exemplo, não é? Nada de teorias... Ver para crer. Quem está de fora é que vê a diferença... Será mesmo? Tu nem vais dar por isso, confia em mim... De olhos fechados? Sabes confiar de outra maneira? Não. Então de que é que tens medo? Tenho mesmo que te responder? Talvez já esteja na hora de saberes a resposta... E se eu ficar triste com o que descobrir? Estás a andar à volta de ti mesma e continuas sem me responder... Desculpa... Dá-me a tua mão. Levas-me contigo? Queres vir? Onde vamos? Não sei... escolhe tu agora.

5.6.05

Alvará

No rescaldo bom de um fim-de-semana que adormeceu e acordou de olhos postos no mar, ficaram a cumplicidade dos medos, da solidão, da dúvida: virá?

Virá
Trocando olhares, dando o que falar
Sedenta e meiga quando me encontrar
Cruzando mares só pra me abraçar
Cruel sem dor, seja quem for
Essa pessoa vai me condenar
Vai me prender, me investigar
Me confiscar pro amor
Interrogar de amor
Me confinar no amor
Alimentar de amor
Meu alvará de amor
Quando então quiser me libertar

Que liberdade?
Faz minha vontade
E deixa como está

Jorge Aragão

3.6.05

sexta-feira é dia de rumar...

...ao sul, com sol e sal.

Até já!

2.6.05

EU VOU!

sometimes you can't make it on your own

quando os muros vêm abaixo
quando as palavras deixam de ser difíceis
quando a vergonha não faz sentido
é tão simples, e tão bom.

1.6.05

:)

Porque hoje é dia da criança, fiz gelado de morango e calcei uns sapatos às riscas cor-de-laranja.
Por cá, deixo-vos a imagem que tem povoado o meu ecrã.


Robert Doisneau

short story with no happy ending

Trocámos mensagens.
Trocámos telefonemas.
Trocámos olhares.
Trocámos o dia pela noite.
Trocámos conversas.
Trocámos passeios.
Trocámos jantares.
Trocámos os corpos.
Trocámos viagens.
Trocámos receios.
Trocámos projectos.
Trocámos gritos, medos e anseios.
Sem querer, até trocámos o amor.