11.1.05

Zeca Afonso

As tuas músicas acompanharam toda a minha adolescência. Ouvidas vezes sem fim, na ânsia de saber as letras mais com a alma do que com a memória, numa tentativa de perceber o outro lado da moeda, a liberdade merecida que a descolonização familiar nem sempre deixava ver. Descobri nos LP's da minha mãe (comprados às escondidas na Lisboa profunda do início dos anos 70) uma companheira das tuas melodias, das palavras tuas. Ando há dias com este Menino do Bairro Negro na cabeça. Porque espero com carinho o sol nascente de uma bebé quase a chegar, porque continuo a ver meninos com olhos de desamor, canto o pedacinho que sei... baixinho, muito baixinho...

Olha o sol que vai nascendo,
Anda ver o mar,
Os meninos vão correndo
Ver o sol chegar


Menino sem condição
Irmão de todos os nus
Tira os olhos do chão,
Vem ver a luz

Menino do mal trajar
Um novo dia lá vem
Só quem souber cantar
Virá também

Negro,
Bairro negro,
Bairro negro
Onde não há pão
Não há sossego

Menino pobre teu lar
Queira ou não queira o papão
Há-de um dia cantar
Esta canção

Se até dá gosto cantar
Se toda a terra sorri
Quem te não há-de amar
Menino a ti?

Se não é fúria a razão
Se toda a gente quiser
Um dia hás-de aprender
Haja o que houver

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