É a sensação mais forte que tenho: tudo muito.
Hong Kong é imensamente grande, colorido, luminoso, cheio. Custa a respirar de tanta humidade e poluição, e andar pelas ruas em jeito de passeio é um hábito estranho. Gente por todo o lado, a vir de todos os lados, com pressa, a falarem muito alto, a rirem. Gente de braço dado, estatura mediana, novos e velhos saídos de um catálogo de moda de um outro planeta. Cruzo-me com um número de ocidentais suficientemente grande para não me sentir totalmente alienígena, mas, ainda assim, tenho os olhos cansados de querer absorver e perceber tudo. O encanto dos símbolos e caracteres perde-se quando nada nos é acessível. Grande maravilha é a linguagem e o entendermo-nos uns aos outros. Rio-me de cada vez que tentamos uma conversa em inglês porque nem isso consigo perceber. Solicitude acima de tudo. Sorrisos de orelha a orelha. Gente prestável e atenciosa que me esforço por não imaginar dentro das gaiolas cinzentas de centenas de andares que estão por todo o lado. Volto a insistir na crueza que é a luz do dia. Tudo o que é feio se amplia na fronteira do contraste: velhinhas curvadas a empurrarem carrinhos-de-mão atulhados de cartões atravessam a estrada frente à sede do banco da China, milhares de mulheres filipinas na lufa-lufa diária de quem é fada de outros lares a regatearem migalhas sob o olhar complacente dos leões de pedra do HSBC. Tudo isto me confunde.
Hong Kong é uma máquina movida a dinheiro: pelo excesso, pela falta e pela mistura de sentimentos que provoca. O que à primeira vista confrange de tão exagerado ganha uma aura quase poética quando a noite mostra apenas contornos de luzes num cenário de montanhas à beira-água. No ferry para Kowloon a vista é tão deslumbrante como do eléctrico assustador para o Victoria Peak. Os cheiros somam e seguem. No mercado nocturno os pregões não variam para além de um 'cheap cheap', 'for you $', 'hand made' ou '100% silk'... Os mais velhos, sentados ao fundo, observam as tentativas de comércio de quem já os substitui no mester. Trazem um olhar vazio e cansado. Apetece-me ficar ali sentada com eles, longe como eles de todo aquele bulício, a ouvir a flauta-cabaça da senhora da trança que nos ofereceu o sorriso mais bonito da noite.